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Design Inclusivo #8 – Acessibilidade e usabilidade em produtos, serviços e ambientes

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8 – Estratégias de implementação do Design Inclusivo

8.1. Nas cidades

As cidades, na sua maioria, têm vindo a verificar uma degradação da qualidade do espaço público. Este espaço, finito, sendo o território restante da implantação dos edifícios, era um local de socialização, estadia e convivência. No entanto, ao longo do tempo, tem vido a ser ocupado de uma forma predominante pelo automóvel.

Esta ocupação reflete-se a vários níveis na qualidade de vida dos cidadãos. A necessidade de regular o tráfego implicou o surgimento de uma série de equipamentos que vieram diminuir o espaço disponível, tais como, semáforos, armários técnicos, sinalização, parquímetros, passagens de pedestres elevadas, etc.

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Imagem via Shutterstock

Para evitar o estacionamento ilegal, inundam-se as cidades com pequenos pilares. Até a publicidade (Mupis), que ocupa as calçadas, é orientada, por uma questão de rentabilidade, para ser vista pelos automobilistas em detrimento da qualidade dos percursos dos pedestres.

Por outro lado, dada a pressão crescente, o congestionamento de trânsito leva a que os gestores das cidades definam as ruas em função da fluidez do tráfego automóvel, em detrimento do dimensionamento das calçadas, chegando a pôr em causa, muitas vezes, a possibilidade de arborização.

as ruas perdem, assim, as suas características de locais de estadia para passarem a ser meras vias de circulação e tráfego. São unicamente a passagem para qualquer destino.

Outra consequência desta ocupação é a degradação ambiental das cidades, com elevados níveis de ruído e emissões de CO2, com as consequências que se conhecem.

Chegamos a uma situação em que constatamos um crescente mal estar dos utilizadores das cidades e verificamos que já não são o espaço do pedestre, e muito menos do pedestre com mobilidade condicionada.

Estas cidades não correspondem, dos pontos de vista físico, informativo e comunicacional, às reais necessidades da sua população. Será necessário, para a sua sustentabilidade no futuro, a existência de uma rede de percursos acessíveis, sem descontinuidades, que permitam o deslocamento a todos, em condições de independência, conforto e segurança.

Será também necessária a adaptação das condições de acessibilidade aos edifícios públicos e de utilização pública, bem como a renovação da frota de transportes públicos, material circulante e instalações fixas, para que possam ser utilizados por todos, independentemente das suas aptidões físicas ou sensoriais. Uma política de acessibilidade deve ser abrangente e estar presente ao nível do planejamento e gestão urbana.

Como vimos, é necessário, por exemplo, intervir profundamente nos esquemas de distribuição viária e desenvolver novas políticas de transporte, que passem pelo incentivo do transporte público em detrimento do privado.

A promoção da acessibilidade não deve ficar apenas pela adaptação física da cidade. Alterações de fundo ao nível da política urbana, devem acompanhar esta intervenção. A acessibilidade é parte integrante de uma política mais geral de sustentabilidade econômica, social e ambiental das cidades.

Há que reconhecer que a tarefa não é fácil. As cidades levaram, por vezes séculos, a ser construídas, e só recentemente se constata a sua inadequação. Não se adapta uma cidade de um dia para o outro. Mesmo que os recursos fossem infinitos não se pode transformar uma cidade num imenso estaleiro de obras.  A cidade tem de continuar a funcionar.

Outras condicionantes podem existir, como por exemplo, a morfologia mais ou menos propícia e as diferentes tipologias do tecido urbano. Não é com a mesma facilidade que em Lisboa, se adapta Alfama ou o Bairro de Alvalade.

É necessário conhecer bem a situação no terreno, fazer orçamentos e acompanhar em  calendário as intervenções necessárias para um espaço de tempo adequado à dimensão da cidade e dos recursos existentes.

Para cidades pequenas não serão, porventura, necessários instrumentos de planejamento e gestão muito sofisticados. No entanto, nas cidades de grande dimensão, o volume de informação é de tal ordem que será necessário recorrer a sistemas informáticos de gestão de informação.

Uma metodologia de intervenção, já utilizada diversas vezes, foi desenvolvida pelo “Consorci de Recursos per a la Integració de la Diversitat – CRID” o qual executou, entre outros, o Plano de Acessibilidade da Cidade de Barcelona.

Esta metodologia baseia-se num levantamento rigoroso da situação existente, por forma a poder-se planejar e executar obra fase a fase e em rede.

Como instrumento de análise e gestão, prevê-se a existência de um Sistema de Informação Geográfica (SIG) que integra os dados recolhidos nas fichas de levantamento da situação existente.

Estas fichas de levantamento permitem caracterizar a via pública, bem como todos os elementos aí localizados. Da largura das calçadas ao tipo de pavimento, da lixeira  ao quiosque, todos são referenciados ao número de polícia, de modo a localizá-los, caracterizando-os segundo têm bom ou mau desenho e boa ou má implantação.

Temos então todos os elementos localizados em planta através do Sistema de Informação Geográfica, sendo possível saber, através de um código de cores, quais terão de ser substituídos ou deslocados e, por exemplo, quais as calçadas de pedestres que terão de ser rebaixadas.

O cruzamento da informação constante no SIG com uma base de dados de custos unitários, permite quantificar o investimento necessário a nível global ou por partes.

Este instrumento permite a definição de uma metodologia de intervenção que terá de entrar em linha de conta com a análise da cidade ao nível dos eixos fundamentais de circulação de pedestre e de transportes, características morfológicas e tipológicas do tecido urbano, distribuição dos equipamentos no território, necessidades das pessoas com mobilidade condicionada, etc.

É de referir que este é unicamente um instrumento de levantamento da situação, planejamento e gestão da acessibilidade. Não evita a necessidade de realização de projeto, que deverá ser adequado à situação concreta em que se vai intervir.

Aliás, uma das vantagens decorrentes de uma política de acessibilidade é, não só tornar os espaços acessíveis, mas também, aproveitando a oportunidade, poder proceder-se a uma requalificação urbana que vai para além dos requisitos de acessibilidade.

Quanto aos projetos de adaptação, um dos parâmetros considerados fundamentais, como vimos no capítulo 4, se quisermos promover a “inclusividade”, é a participação dos utilizadores.

Deverá ser prevista e incentivada a participação de pessoas com mobilidade condicionada ou das suas organizações, por forma a que as soluções encontradas sejam adequadas.

Deve haver lugar à investigação e experimentação de novas soluções envolvendo os utilizadores. Já muitas vezes foram promovidas intervenções que se verificaram completamente desajustadas das necessidades.

Um sistema de pavimentos táteis para orientação de cegos, por exemplo, tem obrigatoriamente de ser testado e aferida a sua eficácia por aqueles a quem se destina.

Por outro lado, há soluções de acessibilidade, como o rebaixamento de calçadas, que facilitam a vida de quem se desloca em cadeira de rodas mas, ao fazer desaparecer a calçada alta, dificultam a vida dos cegos que deixam de ter uma delimitação clara entre a calçada e a faixa de rodagem.

O envolvimento destes utilizadores é indispensável para conseguir soluções que satisfaçam as necessidades de ambos. Através da implementação do conceito e metodologia de intervenção do Design Inclusivo será possível a construção de cidades mais amigáveis para todos.

Serão estas as cidades que assegurarão a inclusão dos seus habitantes. Serão estas as cidades em que as atividades econômicas estarão facilitadas. Em que não serão necessários tantos investimentos em equipamentos especiais.

Uma visão de curto prazo, de poupança no imediato, só trará custos acrescidos no futuro. Não só custos econômicos, mas também custos sociais decorrentes da exclusão de parte significativa da população.

8.2. Nos produtos

Nas sociedades ditas desenvolvidas, o consumo de produtos e serviços tem hoje mais do que nunca, uma importância fundamental na vida de todos os cidadãos. É através do consumo que as pessoas constroem a sua identidade, pelas roupas que compram, os livros que leem ou os restaurantes que frequentam.

O não acesso a estes bens de consumo representa mais do que simplesmente não poder desfrutar de um determinado produto ou serviço, representa a exclusão de dinâmicas sociais e a não integração em igualdade de direitos.

Economicamente, o consumo tem também repercussões em todo o tecido empresarial do país. Inseridas numa lógica de globalização, as empresas e instituições portuguesas dependem cada vez mais da implementação de políticas de qualidade para assegurar competitividade contra as suas homólogas estrangeiras.

O conhecimento das necessidades e expectativas dos consumidores traduz-se na concepção de produtos mais adequados e numa maior estabilidade das empresas que os produzem.

Com o envelhecimento da população, as características do mercado estão em transformação pelo aparecimento de um setor de consumidores bastante relevante pelo seu número, com características físicas particulares, com mais tempo livre e maiores capacidades econômicas.

Esta realidade foi rapidamente percebida por algumas áreas de negócio, como os ginásios, que desenvolveram na última década várias opções destinadas à manutenção física das pessoas mais idosas, como atividades com menos impacto nas articulações, com cargas de esforço mais reduzidas ou em horários mais compatíveis.

Na generalidade da produção industrial, e mais claramente no desenvolvimento de produtos tecnológicos como celulares ou leitores de DVD, existe um claro desfasamento entre as propostas existentes no mercado e as expectativas de públicos mais idosos, que estando tão predispostos como os mais jovens para aderir aos novos produtos, muitas vezes não o fazem por sentirem grandes dificuldades de utilização.

As empresas, ao tomarem conhecimento desta realidade, encontram uma oportunidade de negócio, que num mercado tão competitivo como é o de hoje, não pode ser de todo desprezada.

Existem empresas internacionais que já abordaram esta oportunidade com grande sucesso, sendo um dos casos de estudo mais conhecidos a OXO, fabricante de utensílios de cozinha, que desenvolveu a linha Good Grips, com cabos largos e confortáveis direcionado especificamente para idosos, pessoas com artrite ou outros problemas de preensão da mão.

A linha Good Grips, devido ao seu desenho de grande qualidade, associado a uma estratégia de diferenciar os seus produtos do aspecto tradicionalmente clínico das chamadas tecnologias de apoio a pessoas com mobilidade condicionada, tornou-se um produto de referência escolhido por muitos consumidores com e sem limitações da mão.

A concepção de produtos nesta lógica de Design Inclusivo, não só melhora a qualidade de vida de todos os consumidores, especialmente daqueles que apresentam mais dificuldades de interação com o meio, como coloca as empresas que a utilizam em situação de vantagem competitiva.

Os consumidores têm também um papel muito importante para a implementação de produtos mais seguros e eficazes para todos. Tornando-se mais exigentes nas escolhas que fazem, obrigam os produtores a acompanhar este grau de exigência.

Para isto, também as associações de defesa dos consumidores têm um papel importante, incluindo nas suas recomendações questões relacionadas com a acessibilidade e usabilidade para todos.

As instituições públicas podem também contribuir para a disseminação de uma produção mais inclusiva, aumentando o seu grau de exigência na aquisição de bens e serviços, como por exemplo, com a escolha e colocação de mobiliário urbano ou parques infantis mais adequados às pessoas com mobilidade condicionada ou na utilização de soluções de comunicação mais inclusivas na divulgação dos seus eventos, etc.

Importa salientar que as instituições públicas, responsáveis por promover serviços e infraestruturas para toda a comunidade, deveriam ser exemplos a seguir pela forma rigorosa como desenvolvem ou acompanham os seus projetos, garantindo que estes são acessíveis a toda a população.

Vivemos num mundo onde praticamente já não existem ambientes que não tenham sido produzidos ou controlados pelo homem, desde as áreas florestais, às nossas cidades ou às nossas casas.

Permanece a questão, se fomos nós que construímos o habitat em que vivemos, porque razão continuamos a sentir insegurança, desconforto ou desorientação com tanta frequência?

Será que os progressos tecnológicos do século passado atingiram de fato os objetivos de qualidade de vida a que se propunham?

Principais Centros de Recursos

Center for Universal Design

Centro de investigação, informação e assistência técnica que promove o Design Universal na habitação, espaço público e comercial, associado à North Carolina State University.

http://www.design.ncsu.edu/cud/

 European Institute for Design and Disability

Site do European Institute for Design and Disability que promove a divulgação do Design-for-All. Revista Crisp & Clear.

http://www.design-for-all.org/

European Concept for Accessibility Network

Rede de peritos europeus em acessibilidade.

http://www.eca.lu

Adaptive Environments Center

Centro fundado em 1978 nos Estados Unidos da América, muito ativo na divulgação do conceito de Design Universal.

http://www.adaptiveenvironments.org/index.php

Autores • Jorge Falcato Simões, Arquitecto – Câmara Municipal de Lisboa

Renato Bispo, Designer – ESAD – Caldas da Rainha | Associação Projectar para Todos


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